Deu
um bafo profundo no cigarro e olhando a noite soltou a pergunta que seria a
primeira do fim da sua vida:
- Se te disser que nunca fui apaixonado pela
vida, acreditas?
- Não. – Respondeu ela muito séria e de
olhar fixo nos olhos dele.
- Porque não?
- Que disparate, tu és dos tipos mais
apaixonado pela vida que eu conheci até hoje... Adoras perder-te com ela, os
teus olhos brilham quando ela te surpreende, o que é que é esta divagação
agora?
Olhando-a
com uma face dura disse:
-Nunca poderei ser apaixonado por algo em
que não acredito. Eu não acredito na vida, na sua essência. Eu não acredito que
isto a que chamamos existência tenha um propósito ou uma finalidade. O Ser
Humano limita-se a inventar, a perder-se, a procurar o que nunca vai encontrar
– Parou por instantes e soltando o sorriso de quem conhece o poder da sua
argumentação continuou – Olha a história de Deus e do Diabo, do Céu e do
Inferno... tudo isso são invenções, são criações de um Ser que não suporta a
ideia da solidão e a ideia da ausência de destino. Criamos, porque não suportamos
a dor de não ter algo verdadeiro a que nos agarrar.
-Ai é? – disse incrédula e com pouca
paciência- E o amor? O amor também é uma invenção da ausência de tudo?
-Médio, o amor é o chamado filho pródigo de
uma família monoparental. É quase um erro de percurso percebes?
Fez
que não com a cabeça e ele continuou:
-O amor é o resultado de uma qualquer busca
interior que advém da tristeza da vida não nos ser suficiente. De quando a
quando, abrimos as janelas do que chamamos coração e ficamos muito tempo à
espera na confusão dos temporais e dos dias solarengos. Um dia passa alguém,
passa o chamado pretexto e zumbas – fazendo um gesto de quem apanha uma mosca
no ar - apanhamo-lo!
Assumindo
novamente a sua posição na cadeira continuou:
-E depois é fácil, a mente fica responsável
por tudo o resto. A pouco e pouco, embora o Outro com quem estamos assuma o
papel de ama do nosso amor, vamos criando dedicadamente o nosso filho, nascido
da corrente de ar da janela, num modelo rígido, obcecado e ao mesmo tempo
desejoso de sofrer.
-Hum... mas espera, então estás a dizer que o
pretexto para o amor pode ser qualquer coisa da vida? A mesma que não existe?